quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Erros e acertos

Sou pai de duas princesas.
São as meninas mais lindas do mundo, simplesmente.
Uma delas têm a capacidade de colocar frases que se tornam inesquecíveis.
Se tornam inesquecíveis pelo contexto em que são ditas, pelo timing perfeito em que ela coloca as observações ( causa uma surpresa danada isso ) e até pela acidez do comentário que ela formula com tremenda transparência e inteligência.
Parece exagero meu, mas não é. Ela é uma aluna dedicada, com ótimas notas, adora livros e tudo que lhe proporcione conhecimento. Adora o colégio onde estuda, é a segunda casa dela.
Foi exatamente no colégio que ela cunhou a última sentença sobre a qual eu ando refletindo muito, muito e muito.
Eu sempre gostei de esportes, embora não tenha grande talento para nenhum deles. Pratico futebol eventualmente e pratiquei muito basquete, anos atrás.
Meu auge nesses dois esportes, digamos assim, foi há longínquos 17 anos atrás.
Eu tinha 16 anos, era um bom goleiro de um bom time juvenil do bairro onde eu morava e fiz um ótimo campeonato de futebol amador na cidade do interior onde cresci.
Falei um pouco sobre isso em postagem do ano passado, no qual comentei sobre a partida inesperada de um bom amigo de infância. Ele teve a vida ceifada por um bandido, um fato muito triste esse. Encontrei o irmão mais novo dele meses atrás e ele confessou que estava arrasado e em tratamento médico para aceitar a perda do irmão.
Retomando o que eu dizia, eu jogava futebol e basquete regularmente. Vamos esquecer um pouco o futebol e focar no basquete.
É um esporte que eu gosto por causa da matemática que envolve o que você faz na quadra.
Você pode saber quantas vezes arremessou e acertou, quantos rebotes pegou e outros tantos mais. E pode comparar o que fez com o que os outros fizeram, saber se foi melhor, pior ou em linha com a média das outras pessoas.
A coisa que eu mais gostava no basquete era treinar arremessos da linha de lance livre. Chegava cedo no SESI e arremessava 100 vezes seguidas, normalmente.
E guardava a média de acertos. Era por isso que eu fazia esse exercício : saber quantas vezes eu acertava e se era melhor ou pior que a vez anterior.
Minha média de acertos era 65-70 arremessos em cem. Em dias brilhantes, eu fazia 75, 77. Uma única vez na vida, acertei 81 em 100. É o meu recorde, assim posso dizer.
Por alguma razão que eu desconheço, a minha filha sabia dessa minha predileção por essa atividade do basquete.
Sou naturalmente lacônico, uma característica pessoal e uma criança como ela nem se interessa muito por coisas assim, pensava eu. Acho que nunca comentei sobre isso com ela.
Só que no último sábado, fizemos uma atividade conjunta do colégio para celebrar o dia dos pais. A coordenadoria pedagógica organizou uma gincana esportiva e cultural, onde os pais foram convidados para se organizar em grupos e praticar um circuito de esportes e entre eles, o basquete.
Fui surpreendido quando ela me disse que havia comentado com os colegas de classe que eu seria a pessoa com maior número de acertos nos arremessos.
Peguei a bola e fui para a linha com isso na cabeça.
No fim, contei apenas 5 acertos em 9 tentativas. Se contar com o aquecimento, que as crianças assistiram, foram só 7 em 14 tentativas. Bem abaixo dos 65% de anos atrás.
Uma completa decepção. Eu esperava esse resultado pelo sedentarismo e falta de cuidado que tenho com minha forma física. Uma vergonha que me deixou cabisbaixo demais, tremendamente puto com minha barriga de churrasco, fôlego de tartaruga e agilidade executiva.
Todos esses sentimentos negativos sumiram com uma única frase.
A atividade acabou, ela correu em minha direção e eu lembro de ter dito algo como : Você viu ? Acertei só metade ...
E no meio do meu perdido raciocínio de justificativa, um corte firme e claro foi dado por ela : Pai, eu não sei ... você continua o melhor, foi o pai que mais acertou e meu amigo disse que era verdade, que você realmente é muito bom. Nossa, você fez 5 !
Fiquei mudo. Havia esquecido completamente de observar isso, que as crianças da sala dela têm menos de 1,50m e que a cesta de basquete, com 3,05m de distância do chão, deve ser um desafio espetacular para ser vencido. Vencido 5 vezes então, deve configurar algo de outro mundo para eles.
Em certa ocasiões, a lógica, a competição, a comparação com o passado, a falta de aceitação para novos limites e outros desvios causam completa chateação e egoísmo.
Ao terminar e perceber que não deu, eu estava prontamente povoado de pensamentos punitivos, depreciativos.
Comparativamente, eu queria exigir o mesmo em condições diferentes, despreparado e sem organizar nada. Estava cego : ela só queria comprovar que eu ainda sou capaz de acertar. Só isso.
Então minha princesa falou o que falou acima, estendeu a mão animada e quis sair correndo, eufórica. Agora vamos para o futebol, disse.
Disse o que disse e apagou em 10 segundos vários fantasmas que estavam estacionados há um bom tempo aqui dentro, prontos para sussurrar baixinho sentenças como você não consegue, seu tempo passou, sua memória e julgamentos nem são mais aqueles do passado, desista, se entregue .... nem tente ...
Certamente, ela nem deve lembrar do que disse.
Eu, ao contrário.
Eu não esqueço mais, nem mesmo um minuto ...










Um comentário:

  1. O que é que deixaremos aos nossos filhos? Que é que fica para os nossos filhos, dos pais que tiveram? O mais importante, sem dúvida, é as horas que lhes dedicamos, o tempo que partilhamos as nossas vidas com eles, contando-lhes coisas de família, ensinando-lhes velhas tradições, divertindo-nos e descansando com eles, ouvindo as suas preocupações e ajudando-os a resolver os seus conflitos pequenos e grandes. Nossos erros pouco importa , quando se ama.
    Esperar está sendo uma luta, ela sabe que vai vencer essa batalha.

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