sábado, 24 de abril de 2010

Imperfeições

A primeira vez que li um livro criado por Marcelo Gleiser, estava em viagem pela região norte do país.
Era um volume de "A Dança do Universo" e trechos longos de avião são sempre entediantes, sem uma boa distração. E esse livro aproximou meu gosto pelo físico brasileiro, principalmente porque identifiquei no texto de Marcelo a mesma admiração que tenho pela obra de Carl Sagan, autor que divulgou o pensamento científico e explorou a lógica em muitos temas controversos, cujas explicações ainda avançam para o metafísico.
Hoje, uma série de situações causaram a oportunidade para que eu voltasse a ler um livro de Marcelo Gleiser.
Nas 340 páginas de "Criação Imperfeita" ( Editora Record, Brasil 2010 ), Gleiser aborda questões que sempre atiçam minha curiosidade.
Gleiser escreve algumas sentenças interessantes e que surpreendem, como condenar o discurso ateísta de Dawkins, Hitchens e os outros dois autores conhecidos por tentar impulsionar o ateísmo mundialmente ( eu li "Deus, um Delírio" e achei Dawkins agressivo, perde a oportunidade de angariar simpatia ao discurso lógico que ele apresenta magistralmente no livro ). Surpreende também por admitir que talvez nunca exista uma teoria científica que explique os detalhes da criação e a previsibilidade de todas as coisas, embora ele próprio tenha trabalhado essa hipótese por muito tempo de sua vida. E para ilustrar essa ânsia científica relacionada com a previsibilidade, Gleiser utiliza o ótimo exemplo que usou ao mostrar o pensamento de Laplace, quando comentou sua própria obra-prima com extrema arrogância.
O conceito que permeia todo o livro, aliás, aposta nisso. Para ele, a construção da vida é resultado de uma série de acidentes e singularidades, e isso torna nossa existência tão rara e importante. Refuta a previsibilidade, a suposta banalidade da vida brotando por todo lugar.
Inconscientes disso, nós não percebemos que estamos no caminho para a completa extinção de algo que talvez exista somente na Terra : a diversidade de seres vivos. E junto com essa diversidade, seres que pensam e elaboram as razões filosóficas para tentar explicar a própria existência. Esses seres, somos nós.
Com perfeição, esse alerta sobre a raridade da vida é feito pelo autor sem perder ou sem deixar de comentar as teses científicas que regem o funcionamento da natureza em vários aspectos cruciais para a compreensão da mecânica celestial.
E ele conclui que essa raridade é que, afastada das crenças obscuras e metafísicas que atrasam a evolução do conhecimento e do próprio preconceito científico em admitir que a natureza implicada no surgimento da vida biológica pode conter a imprevisibilidade em sua constituição ( não existiria, afinal, uma "teoria do tudo", para unificar micro e macro e o universo ou um criador talvez não tenham previsto ou nunca tenham agido para que a vida aparecesse ), embasa a necessidade de surgir uma profunda consciência das mudanças imprevísiveis que foram impostas pelo homem no único meio ambiente conhecido em condições de abrigar nossa civilização. Ele fala da nossa morada, a Terra.
Creio que ele é definitivo ao mostrar que, em milhares de mundos hoje conhecidos ( dos talvez bilhões que existam no cosmos ), nada que possa ser comparado ao ambiente terrestre tenha sido descoberto e por consequência, vida inteligente. Vida que não foi descoberta por observação, e ainda não foi descoberta por outros programas dedicados a essa busca ( O SETI é o melhor exemplo ).
E que, se descoberta, talvez seja para sempre inacessível. A única certeza que temos até agora é o saber constituído sobre a comum existência de ambientes hostis nesses corpos celestes, sem condições naturais de abrigar vida como a que existe em nosso planeta. Em nenhum deles.
Hoje, eu deveria ter aportado em Campinas 06hs da manhã ; uma série de contratempos determinaram minha chegada após 18 horas de atraso.
E ainda passei essas 18 horas sem celular.
Contratempos em cascata, para resumir. Ainda assim, em tudo há oportunidade : ler um bom livro, escrito por um cientista respeitado que aceita uma possibilidade que contraria boa parte de sua pesquisa precedente.
Fascinante e magnífico.
Mais um excepcional livro que tive a oportunidade de passar os olhos, antes de partir.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Não virar as costas para tudo

Só para não esquecer porque admiro Carl Sagan.
Nosso mundo é pequeno mesmo. Somos menores ainda, e quem criou isso tudo certamente está além da compreensão.

http://www.youtube.com/watch?v=c7xj8xikyD8

A enciclopédia "Conhecer"

Para relembrar você, pai.
Acabei de ver a enciclopédia, com a capa de alguns dos volumes maltratada ( está um pouco rasgada ).
Mesmo assim resolvi abrir o livro com cuidado e, por coincidência, a página que o acaso escolheu é a mesma que está sublinhada para uma lição de biologia.
Acho que eu pesquisei isso há 25 anos atrás.
Será que faz tanto tempo ? Bom, deve fazer sim.
A outra coincidência é que respondi uma questão importante com essa mesma pesquisa 12 anos atrás, quando fui admitido, pela 1a vez, para uma certa instituição de ensino.
E a outra coincidência, essa não feliz, é que nesse mesmo ano de 1998, quando respondi essa questão com a enciclopédia que você comprou, você partiu para outro plano.
Saiba que cumpriu seu papel e não será esquecido.
Obrigado por esse livro ; ele representou a porta de entrada para muitos outros e isso só trouxe boas coisas para a vida que hoje eu tenho.

domingo, 11 de abril de 2010

Chil Rajchman

Este final de semana, eu aproveitei para ler um livro curto, livro que decidi adquirir ao ler seu resumo ( a famosa "orelha" do livro ). Queria muito ler algo e esse conteúdo pareceu perfeito, inicialmente por ser curto ( apenas 146 páginas) e mostrar o relato do Sr. Chil Rajchman sobre a experiência que viveu em Treblinka. O assunto me interessou por relacionar-se com outra obra que gosto ( Eichmann em Jerusalém, escrito pela fantástica Hannah Arendt ).
E que expressiva surpresa eu recebi com essa despretensiosa leitura.
Um relato espantoso desse senhor judeu polonês que terminou seus dias no Uruguai, em 2004.
A maldade humana realmente é surpreendente, fato já caracterizado em muitas obras produzidas por grandes escritores, e que relataram momentos históricos decisivos.
Mas as palavras escritas por Rajchman, descrevendo sua rotina da prisão e deportação até a saída ( fugiu e sobreviveu, um dos poucos seres que escaparam vivos de Treblinka ) do campo onde esteve concentrado é tão direto e ausente de mediações que provoca espantosas reflexões.
Que sentimento guiava os assassinos burocraticamente ausentes da sua própria condição humana ? Porque eliminar crianças inocentes com extrema crueldade, coisa tão hedionda, tão extrema contra a vida ?
Como eu citei, as descrições dele são chocantes.
Nada naquele lugar era normal, embora Rajchman realize esboços de relações e laços frágeis de algo que pareça humano em muitos momentos da sua curta obra.
A leitura valeu para relembrar o quanto é repugnante qualquer atentado contra a vida, e que a irracionalidade reside em todos os detalhes da subjugação do outro que está indefeso, de todos os que são mais fracos. Naquele momento histórico e hoje, pois essa é uma assimetria atemporal.
Em "Eu Sou o Último Judeu", Chil Rajchman mostra a crueza de abraçar o vazio que irrompe da impressionante certeza e aceitação das vítimas sobre o próprio extermínio, condição aceita com resignação e a relação pecuniária que permeia todas as fases pré e pós eliminação ( para sempre, penso eu ) daquelas pobres almas.
Tudo estava fundado, em última instância, no dinheiro.
Eliminar vidas para acumular papel vagabundo impresso, pedaços inertes de metal e pano. Onde há lógica ?
Entre outras cenas marcantes, os curtos relatos ditados pelas mulheres cujos cabelos são literalmente tosqueados antes do momento em que serão trancadas nos cubículos em que sufocarão até a própria morte ( e elas sabem disso, sabem que murmuram as últimas palavras antes do próprio fim ) agredidas moral e fisicamente, perderiam-se para sempre sem as anotações de Rajchman. Somente isso bastaria para que a obra dele possa ser considerada extraordinária. Só que no livro há muito mais, dependendo das convicções pessoais, das crenças e valores próprios dos variados leitores.
É um grande livro. É impressionante.

domingo, 4 de abril de 2010

Tocqueville

Ótimo começo na disciplina que centra sua análise sobre a obra de Alexis de Tocqueville. Adorei os textos dele. Estou bastante interessado por essa disciplina, que analisa o pensamento e a obra desse autor.
Textos magníficos de Norberto Bobbio e Raymond Aron para complementar a avaliação do pensamento liberal que permeia toda a obra de Tocqueville.
Acredito que vá melhorar ainda mais ao longo do semestre. A doutora responsável pelo programa é realmente excepcional professora e aprofunda meu gosto pelo pensamento político. É uma parte importante dessa singular oportunidade de estudar com profundidade muitas obras clássicas das ciências sociais e que, dado a extensão de sua influência, adentram outras vertentes das ciências humanas.
Certamente vou dedicar muita atenção para esse tema ( Tocqueville ). Embora goste bastante da sociologia relacionada com consumo, acho que não conseguirei fugir das boas avaliações que tenho em disciplinas da ciência política, para um eventual programa de mestrado. Meu projeto de pesquisa esteve relacionado com o tema e representou a melhor nota do semestre passado. Gosto tanto de uma coisa, mas acabo adaptado em outra. Decidirei adiante, como sempre. Enquanto isso, vou aproveitar os textos dele, do Bobbio e do Raymond Aron. A distração que eles representam permite obter um ângulo diferente sobre os problemas diários, as obrigações que estão sempre impostas. Ainda bem que posso distrair meu dia nas noites de debate e análise dessas espetaculares obras, antes de ... começar um outro dia, com obrigações, pressões e o cotidiano. É o equilíbrio, e é bom que ele exista.