domingo, 14 de agosto de 2011

Não é um domingo como os outros

Nesse domingo, as pessoas celebram o dia dos pais.
É uma data especial para muita gente, para muitas famílias que confraternizam em clima de extrema alegria e proximidade.
Embora meu pai já tenha falecido, a minha memória não deixa que ela morra de verdade. Eu não acredito que ele esteja em outro plano ou em qualquer outro lugar que as pessoas acreditam que há após a vida. Eu não creio que seja assim.
A existência que ele ainda têm, desde que sua vida cessou subitamente há 13 anos, é nos diálogos e lembranças de todos nós que o amamos enquanto ele aproveitou os 58 anos, o número de anos em que andou pela Terra. Pouco tempo, deveríamos todos viver muito, muito mais.
As experiências que tive com ele foram muitas e ficaram grandes lições sobre o que fazer e o que não fazer.
Ele foi um grande ser humano. Cheio de vícios, de problemas, mas ainda assim uma grande pessoa, muito bom e sempre pronto para ajudar qualquer um. Ele foi também o sujeito de pior sorte que eu conheci.
Azarado era pouco, mas acho que ele não transmitiu isso adiante.
Guardou tudo com ele e carregou consigo, quando partiu.
Sua inteligência era uma das coisas mais notáveis que eu vi.
Ainda assim, vivia se ferrando e sempre no sufoco, pendurado em todos os aspectos da vida. Se ele tentasse algo, a coisa dava errado. E muitas pessoas ganharam muito dinheiro explorando essa característica dele, aproveitando do seu constante desespero.
Só que tudo isso não é relevante mais. Como eu disse, ele era uma pessoal resignada e carregou isso com ele para a Rua 18 dos Amarais. Eu afirmo que não tenho 20% do brilho intelectual dele e as coisas acabam indo bem, muitas vezes de maneira inexplicável.
Quando eu penso sobre o assunto, meu diálogo hipotético com ele é sempre o mesmo : porque merda você tinha que partir naquela manhã de 09 de Junho ?
Quanta coisa boa deixou de ver desde essa data fatídica. Tantas pessoas que vieram por você e que estão muito bem desde então.
Só a Ponte Preta ficou na mesma : essa, ainda não foi campeã.
Paciência Luizão, nem tudo se corrige assim ...













quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Erros e acertos

Sou pai de duas princesas.
São as meninas mais lindas do mundo, simplesmente.
Uma delas têm a capacidade de colocar frases que se tornam inesquecíveis.
Se tornam inesquecíveis pelo contexto em que são ditas, pelo timing perfeito em que ela coloca as observações ( causa uma surpresa danada isso ) e até pela acidez do comentário que ela formula com tremenda transparência e inteligência.
Parece exagero meu, mas não é. Ela é uma aluna dedicada, com ótimas notas, adora livros e tudo que lhe proporcione conhecimento. Adora o colégio onde estuda, é a segunda casa dela.
Foi exatamente no colégio que ela cunhou a última sentença sobre a qual eu ando refletindo muito, muito e muito.
Eu sempre gostei de esportes, embora não tenha grande talento para nenhum deles. Pratico futebol eventualmente e pratiquei muito basquete, anos atrás.
Meu auge nesses dois esportes, digamos assim, foi há longínquos 17 anos atrás.
Eu tinha 16 anos, era um bom goleiro de um bom time juvenil do bairro onde eu morava e fiz um ótimo campeonato de futebol amador na cidade do interior onde cresci.
Falei um pouco sobre isso em postagem do ano passado, no qual comentei sobre a partida inesperada de um bom amigo de infância. Ele teve a vida ceifada por um bandido, um fato muito triste esse. Encontrei o irmão mais novo dele meses atrás e ele confessou que estava arrasado e em tratamento médico para aceitar a perda do irmão.
Retomando o que eu dizia, eu jogava futebol e basquete regularmente. Vamos esquecer um pouco o futebol e focar no basquete.
É um esporte que eu gosto por causa da matemática que envolve o que você faz na quadra.
Você pode saber quantas vezes arremessou e acertou, quantos rebotes pegou e outros tantos mais. E pode comparar o que fez com o que os outros fizeram, saber se foi melhor, pior ou em linha com a média das outras pessoas.
A coisa que eu mais gostava no basquete era treinar arremessos da linha de lance livre. Chegava cedo no SESI e arremessava 100 vezes seguidas, normalmente.
E guardava a média de acertos. Era por isso que eu fazia esse exercício : saber quantas vezes eu acertava e se era melhor ou pior que a vez anterior.
Minha média de acertos era 65-70 arremessos em cem. Em dias brilhantes, eu fazia 75, 77. Uma única vez na vida, acertei 81 em 100. É o meu recorde, assim posso dizer.
Por alguma razão que eu desconheço, a minha filha sabia dessa minha predileção por essa atividade do basquete.
Sou naturalmente lacônico, uma característica pessoal e uma criança como ela nem se interessa muito por coisas assim, pensava eu. Acho que nunca comentei sobre isso com ela.
Só que no último sábado, fizemos uma atividade conjunta do colégio para celebrar o dia dos pais. A coordenadoria pedagógica organizou uma gincana esportiva e cultural, onde os pais foram convidados para se organizar em grupos e praticar um circuito de esportes e entre eles, o basquete.
Fui surpreendido quando ela me disse que havia comentado com os colegas de classe que eu seria a pessoa com maior número de acertos nos arremessos.
Peguei a bola e fui para a linha com isso na cabeça.
No fim, contei apenas 5 acertos em 9 tentativas. Se contar com o aquecimento, que as crianças assistiram, foram só 7 em 14 tentativas. Bem abaixo dos 65% de anos atrás.
Uma completa decepção. Eu esperava esse resultado pelo sedentarismo e falta de cuidado que tenho com minha forma física. Uma vergonha que me deixou cabisbaixo demais, tremendamente puto com minha barriga de churrasco, fôlego de tartaruga e agilidade executiva.
Todos esses sentimentos negativos sumiram com uma única frase.
A atividade acabou, ela correu em minha direção e eu lembro de ter dito algo como : Você viu ? Acertei só metade ...
E no meio do meu perdido raciocínio de justificativa, um corte firme e claro foi dado por ela : Pai, eu não sei ... você continua o melhor, foi o pai que mais acertou e meu amigo disse que era verdade, que você realmente é muito bom. Nossa, você fez 5 !
Fiquei mudo. Havia esquecido completamente de observar isso, que as crianças da sala dela têm menos de 1,50m e que a cesta de basquete, com 3,05m de distância do chão, deve ser um desafio espetacular para ser vencido. Vencido 5 vezes então, deve configurar algo de outro mundo para eles.
Em certa ocasiões, a lógica, a competição, a comparação com o passado, a falta de aceitação para novos limites e outros desvios causam completa chateação e egoísmo.
Ao terminar e perceber que não deu, eu estava prontamente povoado de pensamentos punitivos, depreciativos.
Comparativamente, eu queria exigir o mesmo em condições diferentes, despreparado e sem organizar nada. Estava cego : ela só queria comprovar que eu ainda sou capaz de acertar. Só isso.
Então minha princesa falou o que falou acima, estendeu a mão animada e quis sair correndo, eufórica. Agora vamos para o futebol, disse.
Disse o que disse e apagou em 10 segundos vários fantasmas que estavam estacionados há um bom tempo aqui dentro, prontos para sussurrar baixinho sentenças como você não consegue, seu tempo passou, sua memória e julgamentos nem são mais aqueles do passado, desista, se entregue .... nem tente ...
Certamente, ela nem deve lembrar do que disse.
Eu, ao contrário.
Eu não esqueço mais, nem mesmo um minuto ...










quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Vontade de vencer




Tenho uma agenda cor de rosa, com a foto do Snoopy.
Algumas pessoas implicam com ela, mas eu adoro minha agenda mesmo assim.
Se alguém não conhece, o Snoopy é um personagem de estórias em quadrinhos que fez sucesso também como desenho animado, desenho animado que adorava assistir nos dias em que fui criança. Lembrança legal essa ...
Na minha agenda do Snoopy, o que importa dizer, é que eu não anoto nenhum compromisso formal. Ela é minha agenda especial e vou explicar porque, mais adiante.
É interessante perceber que seria um desperdício anotar compromissos formais nela, porque para isso eu uso ferramentas modernas da vida moderna.
E as ferramentas modernas da vida moderna são bem irritantes : meu telefone celular literalmente grita para me avisar dos compromissos que tenho, o meu calendário do outlook está cheio com todas as aulas que tenho até o fim do ano e decorei a tábua de horários inteirinha da cia. aérea que uso, quando viajo a partir da minha saltitante Campinas. Faço essa reflexão introspectiva, antes de marcar qualquer coisa com as pessoas. Essa é a rotina, imposta, impessoal e inflexível.
Essa pequena amostra de coisas chatas realmente não combina com o meu livrinho que citei acima.
Ele é reservado para uma única finalidade : datas marcadas com o fato mais especial que eu presenciei em cada dia do calendário, por mais irrelevante que esse fato seja na visão dos outros.
E meus caros, espero que acreditem na minha palavra : nem acho que a coisa seja original, mas ela funciona.
Obviamente que as coisas que anoto são segredos meus para comigo mesmo, mas quero fazer exceção para um deles, cujo personagem é uma valente cadelinha que está entre nós há apenas 30 dias.
Ela foi para o livrinho duas vezes.
Na primeira vez, era fonte de preocupação : é integrante da turba de 11 cachorrinhos que aportaram na casa da minha mãe, depois que a Gabi teve a brilhante ideia de salvar uma cachorra da rua. Bom, nem posso falar muito porque incentivei a ação dela.
Essa cadela resgatada entrou no cio e meses depois pariu 9 cãezinhos.
Seu exemplo fez escola e a poodle que temos, 12 anos de cio pelas quais passou imaculada e ilesa, também resolveu liberar geral e acabou prenha : mais 2 caninos, que chegaram 1 dia depois dos outros nove.
Fechem os olhos e pensem : 11 filhotes. 11 FILHOTES !!!! Espalhados pelo quintal, crescendo com a clara intenção de tumultuar nosso ambiente. Desesperador.
E na segunda, ela é um exemplo inspirador.
Essa cadelinha foi rejeitada pela vira-latas que a Gabi resgatou. A ingrata estava deixando a própria cria minguar e a bichinha estava tão raquítica que todos aqui esperavam que ela não conseguisse. E além de raquítica, a filhotinha está toda machucada, em carne viva porque era arranhada e maltratada pela antiga cadela sem-teto.
Eis que o andar do bêbado se manifestou nela, dias atrás : a cadelinha mandou para a lua os 99% de chance de morte, e acabou com a própria fome agarrando de forma insana as tetas ... DA POODLE !
E a POODLE adotou prontamente a pobrezinha. E fez mais : encarou a outra cadela, bem maior que ela e espantou essa perturbada da casinha em que ela mora, agora com suas 3 crias.
Fez isso porque essa desviada tentou novamente machucar a filhote rejeitada. Só que quando tentou invadir a casa da POODLE para agredir a antiga cria, tomou uma feroz rosnada e desistiu. As razões dos bichos são mesmo misteriosas, pensei.
Foi Amazing, como diriam os saxões.
Não conheço as experiências de vocês, mas ao longo da minha vida eu encontrei algumas pessoas que debocharam dos meus planos, tentaram sabotá-los, desacreditaram minha fé e se dedicaram em colocar obstáculos para que eu desistisse de ir adiante.
Para esses, há mais uma folhinha preenchida na minha inocente agenda rosa com desenhozinho fofinho do Snoopy. É onde está anotada a estória dessa esperta cadelinha.
Ela está aqui para mostrar que a vontade de vencer ainda impede que o determinismo seja o fim de tudo.
E vejam : para a completa desgraça dos nossos inimigos, felizmente é assim ...

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O gosto de escrever


Hoje vou fazer diferente. Escrevo o que esperam que eu escreva, para conseguir 44 em 48 pontos na redação de um vestibular qualquer ou para descrever algo fortuito ou para convencer alguém sobre a seriedade de algo.
Mas hoje, vou fazer diferente ...


Transbordo eu saudades
Não sei : quem sou ?
Um número, um perfil estrela
Qualquer coisa sem sentido
Jamais alguém
Tampouco alguém
Se há esmero e escrevo, é verborragia
Se há desleixo e escrevo, é asneira
Se há para escrever e não escrevo, é preguiça
Chega de aliterar
Eu sinto mesmo é saudades
De correr por aí
Saber em quanto tempo
Escorre um palito pela rua
Na chuva
Que há anos não molha meu rosto
Cinza e acabrunhado
Que vai e que vem
Disperso, desatento em desalento
Eu quero criar
Tanto quanto mais jovem
E se disserem, "clichê"
Pronto respondo, "que se dane"
Porque há saudades
Ah, eu sinto
Da lama,
Do abacateiro,
Do cachorro Quebrado,
Do vô Joaquim delirando, tadinho
Dos bichos do mato,
Dos bichos do sítio,
Dos amigos de todos os lugares,
Saudades
Quem eu sou
Ainda não lembro, ao certo
Só lhe juro
Não um número, perfil ou cor reluzente
Em plástico frio
Conceda-me um tempo
E lhe provo
Era alguém desvairado em razão
Porque qualquer um
Eu encontrava e dizia
Olá ou bom dia
Mesmo em roupas bregas, roto
Saltando do coletivo lotado
Parco, contando moedas
Em um bolso rasgado
Eu não recordo
Ser você, saudade
Tão grande
Tão viva
Implacável
O que foi mesmo
Que fez
Com meus sonhos ?

Delicioso escrever assim. Senti muita falta disso. Estou mais feliz ...

sábado, 28 de maio de 2011

Bicicletas do Tocantins

Eu tenho um tio chamado Sérgio Pires Correia.
Raramente tenho notícias dele, porque geralmente elas são notícias ruins e eu evito perguntar sobre ele por essa razão principal.
Desde muito cedo, ele desviou para a criminalidade e hoje, com mais de 50 anos de idade, é um fantasma que anda. Se é que ainda anda.
A última vez que eu o vi, alguns anos atrás, ele deveria pesar menos de 50kg.
Estava com aspecto amarelado e claramente doente, respirando com muita dificuldade.
Isso é muito chocante porque ele foi um jovem belo e extremamente alegre nas fotos antigas que ficam escondidas na estante da minha mãe.
São fotos de 1979, 1980, 1981 ou até mais antigas.
Mostram ele, minha mãe e outros familiares no sítio em que meus avós residiam, no interior de SP. E a felicidade presente nessas fotos, captada tantos anos atrás, ainda é clara, lúcida e cativante, mesmo contida no papel amarelado pelo tempo.
Andei refletindo sobre o que deu errado na vida dele.
As versões dos meus parentes são divergentes, acho que traídas pelo tempo.
Uns, me disseram que ele se envolveu com drogas e acabou preso carregando maconha e entrou no círculo do vício em entorpecentes que selou sua vida.
Outros, me disseram que ele tinha um bom emprego, era muito inteligente e começou a roubar para alimentar corrupção de alguns policiais que não vou citar aqui, chantageado para manter-se fora da prisão e perto das drogas que adorava.
Não vou citar os tais policiais porque anos atrás eles já foram citados em jornais campineiros, como líderes de esquemas cabeludíssimos que eu não compreendo direito, porque sou um cidadão honesto.
Alguns deles foram até presos, o que é irônico. Prender sujeitos que tinham a prerrogativa que a lei lhes dava para fazer isso, o tal monopólio do uso da força concedido ao Estado para o bem comum. Pelo jeito, o bem comum era para o enriquecimento deles.
O que é convergente nos relatos sobre meu tio é que ele sucumbiu ao desejo de bebidas e alucinógenos em geral, e isso arruinou sua existência.
Uma das memórias mais nítidas da minha infância foi o dia em que visitei ele na cadeia pública do bairro São Bernardo ( aqui em Campinas ) e vi o talento que ele tinha para trabalhos manuais com madeira, aço e outros itens.
Ele havia feito algumas miniaturas e recordo que passou uma tarde muito feliz com o sobrinho, que dizem, era seu preferido.
Eu recordo que fui embora feliz, sem noção do que era aquele lugar onde ele estava.
Minha inocência ainda permitia que eu esperasse pelo presente de Noel e pelos Ovos de Páscoa trazidos por coelhos. Nem uma coisa e nem a outra são verdadeiras, a maioria de nós já sabe.
E tampouco aquele ambiente era leve, feliz e camarada como naquele dia de visita.
Em ambientes como aquele, longe das visitas familiares, o jovem da foto definhou e tornou-se irreconhecível. Tornou-se muito mais um corpo cheio de morte e com ausência de vida. Creio que ausência de razão para a vida.
Sua última transgressão foi o roubo de uma bicicleta velha, ano passado, no estado do Tocantins. Foi detido em fuga e resistindo a prisão com o objeto do alegado furto.
A cena relatada de forma mambembe e destacada pelo jornal local causou uma imagem esquisita quando eu tentei imaginá-la. Como seria possível a fuga daquele corpo doente e que mal respira, pedalando ardentemente um quadro enferrujado com 2 rodas ( não, não era uma bicicleta com 18 marchas ou com design aprovado pelo Lance Armstrong ) contra um potente SUV da Polícia do Tocantins e seus 3 ocupantes treinados, armados e bem alimentados ?
Conclui que tenho medo da imprensa também. Por isso, jamais tentarei ser político.
Em 16 de Dezembro de 2010, uma sentença pomposa que pesquisei no Google trancafiou o "sujeito perigoso e procurado pela justiça" sem direito a apelação débil e burocrática feita pelo defensor público, que alegou a estória previamente relatada no jornal que noticiou a tentativa de fuga spielbergiana do meu tio : que o objeto estava abandonado e ele simplesmente o pegou na rua. Obviamente, não colou.
Fiquei com pena dele, mais uma vez. Sua vida tornou-se uma sucessão de desgraças com raiz em apenas uma : desejar consumir drogas de todo tipo. Estava embriagado por álcool quando foi preso.
Não consigo deixar de pensar que anos depois, curiosamente no mesmo bairro do São Bernardo e menos de 1,5km distante da cadeia pública, em comecei uma trajetória de patrulheiro bem sucedido ( nome elegante que encontraram para office-boy mirim ) e muitos anos depois, eu poderia ter comprado umas 100 bicicletas para ele pedalar por aí, sem transgredir nada.
Abandonei o site, desgostoso com o resultado da pesquisa que fiz.
Como sobrinho, eu sou incapaz de devolver ao meu tio transgressor um presente equivalente ao brinquedo mágico que ele me deu, feito de palitos colados que formavam uma pequena casa e que fiquei dias examinando para entender como ele tinha feito aquilo com tanta perfeição.
Porque ele não deu certo, é uma dos grandes mistérios que eu nunca vou compreender.
Ele seria um grande engenheiro. Eu o imagino assim, quero que seja assim.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Um sabotador mais do que íntimo



Enfrento um inimigo vil todos os dias.
Eu não consigo evitá-lo, por mais que eu tente.
Antes de falar desse meu oponente, recapitular minha rotina é necessário. Credo, soou como o Yoda ...
Nas manhãs de segunda, terça, quarta, quinta e sexta-feira, eu ligo meu carro, engato marcha a ré ( opa ! ), depois coloco alegremente na posição D do câmbio automático e viro o pimpão para a direita.
Normalmente, nosso embate começa assim.
As exceções desses dias de luta são as ocasiões onde meu destino final é Viracopos ou os feriados. Nos feriados, eu religiosamente opto por vagabundar e não faço aquela operação ali, da frase acima.
Bem, o carro anda 200 metros e eu continuo sentado, sem fazer p. de esforço físico nenhum. Pensando melhor, até que faço : normalmente eu aperto o botão que liga o rádio, para escutar a rádio CBN. Pode ser classificado como esforço físico. Confesso que eu também tinha certa preguiça de estender o braço e fazer isso, mas perdi o controle remoto do CD Player e agora, se eu quiser ouvir o Heródoto Barbeiro, sou obrigado. Injusto.
Eventualmente, eu encontro com um dos motoristas da loja de materiais de construção aqui do bairro, manobrando um dos caminhões da empresa.
Ele não é exatamente meu amigo, mas não tenho como esquecer dele porque 17 anos atrás, numa quermesse escolar, apresentei-lhe uma menina que hoje é sua esposa.
Deduzo que eles são felizes depois de todos esses anos, porque ele acena sempre que vê meu carro.
Aceno algumas vezes, em outras faço uma expressão blasé e continuo em frente.
E minha saga como zebra continua.
Entro alerta na Rodovia dos Bandeirantes, com meu inimigo espreitando.
Já percebi que ele começa sua caçada diária sempre depois das 7 horas e 30 minutos da manhã. Estudei meu inimigo e sei que seus pontos fixos de ataque são no KM 86, 61 e 16.
Estou salvo dele no KM 16, porque normalmente utilizo a saída 24.
O número cabalístico da minha terra natal também é a rota mais rápida para o escritório da empresa onde eu trabalho. Coincidências.
Nos KMs 86 e 61, eu uso táticas evasivas rápidas e há 2 anos não sou ferido nessa região. Um dia após o outro, nesses dois anos.
Ser caça lhe deixa muito mais esperto. Não causa só traumas.
Já percebi, por exemplo, que há uma plaquinha infâme na saída do KM 88. Essa saída conduz para minha cidade natal ( não vou falar o nome aqui, porque não tenho dinheiro para pagar advogados em eventuais processos movidos contra minha pessoa ) é mais fofinha e diz : CIRCUITO DAS FRUTAS. E com uma seta indicando para a saída que leva até nossa fresca cidade.
Queria saber quem autoriza isso, reforçando a fama que faz de nós, representantes viajantes da nossa amada cidade-princesa, o alvo das piadas nas jornadas épicas por todo o Brasil.
Há também dois banheiros químicos na região do KM 70, que está em obras.
Essa visão me traz um certo medo, porque quando estive na Bélgica e fui usar um banheiro químico na rua, umas pessoas me balançaram dentro dele e tive dificuldades de sair, porque essas mesmas pessoas giraram o cubículo e deixaram a porta emperrada por umas latas de lixo que estavam na rua. Não uso mais, desde então.
Viajo mais 6 minutos e meio e passo pelo parque aquático. E passo pelo outlet. E passo por baixo do shopping construido acima da rodovia.
Na margem direita e 8kms adiante, todas as manhãs há duas vaquinhas ruminando, próximas da cerca que marca o limite do sítio onde elas vivem.
Essas bichinhas são especiais, porque denunciam que meu algoz costuma acampar por ali.
E assim, 35 minutos depois de tomar o inicopiável ( existe ? ) café da minha mãe, avisto a Kombi branca que mobiliza meu oponente, sacanamente parada na margem direita da rodovia, e estacionada atrás de uma placa de sinalização.
Travo contato visual com meu predador e seu colete laranja, cravejado de um material conhecido popularmente como "olho de gato" ( mas isso não é para destacar o sujeito durante o período noturno ? Tão inteligente quanto usar uma Kombi ... ) e noto que ele está calibrando sua armadilha.
Reduzo a velocidade para abaixo dos 120km horários permitidos por ali.
E passo salvo, sorrindo para sua infeliz postura agachada, "cofrinho" peludo aparente e tudo.
Olho pelo retrovisor e noto seu semblante.
Seu rosto está esperançoso e certo de sua invísivel camuflagem causada pelo indelével contraste entre o colete laranja com olho de gato e a grama verde do canteiro da rodovia, com o suporte de seu veículo para as ações táticas móveis rápidas.
No caso, a Kombi branca parada do outro lado da pista, escondidinha por uma placa de trânsito dois metros menor que o comprimento da dita cuja.
Ninguém vai notar, pensa ele.
Sigo em paz e o sol brilha mais forte. Venci meu inimigo, penso.
Parecia bom, mas o dia fica ainda mais perfeito.
Encontro alguns cones delimitando uma faixa interditada e reacendo minha tara secreta, que é derrubar em sequência esses profusos objetos laranjinhas.
Esse pensamento me causa uma profunda satisfação, mas eu nunca levei esse plano até o fim. Tenho medo de ser punido pela polícia rodoviária.
Faço as contas e percebo que posso acelerar um pouquinho e chegar 3 minutos e meio antes do programado no escritório.
Acelero e chego 4 minutos antes.
Não tem ninguém lá ainda, e eu ligo minha estação de trabalho. Tomo uma decisão importante e acesso o tradutor daquele site famoso, ferramenta já citada antes aqui por mim.
Quero resolver um mistério para o qual fui empurrado, antes que outras pessoas cheguem para trabalhar e antes que meu próprio horário oficial de trabalho comece.
O mistério envolve digitar äääääääääääääää na visor e teclar a opção de tradução : do ALEMÃO para PORTUGUÊS.
Faço isso e dou risada sozinho, com a estupidez da saída causada por esse input, que agora já é uma palavra da língua portuguesa.
Não aparece nada muito interessante ( façam, se quiserem saber o que é ), mas mesmo assim dou risada, pensando na frustração do peludo de cofre.
Mantenho o äääääääääääääää escrito e mudo os idiomas : de ALEMÃO para INGLÊS, de ALEMÃO para CHINÊS e a mesma palavra se repete. Fico curioso com a grafia chinesa para a palavra que aparece e pressiono a pronúncia. Mais risadas, com o som dito pela máquina. Gastei 3 minutos nessa bobagem toda.
Estou feliz. O dia começou bem. Está tudo reluzindo. Vou abrir meus emails.
A primeira mensagem acaba com tudo. Tudo se vai.
Vou omitir o nome do remetente, mas a mensagem temidamente diz em seu subject ( essa ainda não virou portuguesa ) : INDICAÇÃO DE CONDUTOR.
Sei do que se trata. Quase que decorei o burocrático texto escrito pela remetente, tantas foram as vezes que abri esse mesmo subject nos últimos dois anos.
O äääääääääääääää perdeu a graça. O chaenchinichua dito pela máquina em chinês perdeu totalmente a graça.
Hesito um pouco e clico para ver se é o que penso que é. Afinal, pode ser um engano qualquer, um reply impensado, um forward estabanado.
Engano meu.
Está lá : Sr. André, favor retirar no xxo andar indicação de multa em seu nome.
Puta que pariu, penso claramente eu. KCT, grito alto em silêncio.
Empernido em terno, gravata e carro possante ainda consigo ser surpreendido pelo meu opositor e as sutilezas de suas estratégias, que agora me parecem inteligentes. Burro, na verdade sou eu.
Vou ao banheiro para jogar água no rosto.
Termino isso e então, vêm a revelação.
Eu simplesmente olho para o espelho e penso : meu, nesse assunto o inimigo é você. É você, André ....

quarta-feira, 23 de março de 2011

Meu, cadê minha salsicha ?




Hoje, eu queria muito comer uma salsicha empanada.
Não qualquer salsicha empanada, mas a salsicha empanada, vendida na cantina do IFGW Unicamp.
Não sei para os outros, mas na minha opinião, há uma clara graduação nas comidas essenciais para forrar o estômago após os não-almoços do trabalho. E nessa graduação, a salsicha empanada do IFGW é nota 11.
O único defeito da cantina é o sachet ( sachê ? ) de ketchup. O danado não abre facilmente. Paciência, nem tudo é perfeito. Chega, sem digressões, vamos direto ao ponto.
Estava prestes a realizar esse sonho de consumo, minutos atrás.
Passei e olhei a ÚLTIMA salsicha ( do pacote ? Com a vontade que eu estava sentindo, entendi melhor o sentido do dito popular ) na vitrine ; por ela, resolvi juntar-me aos 20 alunos que igualmente babavam por algo ( sem maldade, hein ? Eu falo de triângulos de queijo com tomate, espetinhos de frango e outras iguarias famosas .... ).
Peguei a fila, paciente e sereno. Paguei, paciente e já confiante. Peguei outra fila para então aproveitar aquilo que já deixava meu rostinho relaxado e brilhante. Tragédia.
Vi a aluna EXATAMENTE na minha frente pedir pela minha salsicha ( entenderam o contexto ? sem trocadilhos então ... ) e então fiquei p. para kct.
Acreditem ou não, ao virar e degustar o primeiro "pedacinho" da minha salsicha, acho que percebendo meu desapontamento não-verbal ( o corpo fala ! deu até livro ... ), ela perguntou : você queria ?
Restou-me dizer, com muita entonação e cerimônia : NÃO !
Percebi várias lições nisso.
A primeira, não pude deixar de pensar cartesianamente : Lei de Murphy funciona melhor em institutos de física ? Nas cantinas que abastecem os alunos deles ? Provável, merece pesquisa.
Segundo, a constatação filosófica, aquele famoso insight que povoa mentes e corações depois de uma experiência frustrante : a sorte me abandonou ?
Porque, entre tantas alunas que ali passaram, considerando comer todas as outras companheiras empanadas da última salsicha do pacote que ali estiveram, aquela aluna foi escolher aquele mimo que era meu ?
Teria eu sido mau durante o dia ? Carma de outra vida com a estudante que estava na fila ?
Pensei, repensei minha rotina e vi que não fiz nada diferente dos outros dias.
Não mereci severo castigo, concluí confortavelmente.
Um interessante exercício de auto-ajuda, com muita introspecção.
E por último, não poderia deixar de constatar que iguarias japonesas são coisas boas em restaurantes japoneses diferenciados.
Quando a fome chega, elas não se igualam a dor estomacal provocada pelo quase prazer do gosto de uma salsicha empanada já processado pelo cérebro, que mandou uma boca cheia de saliva perguntar : MEU, CADÊ MINHA SALSICHA ?????.
Amanhã, será diferente ...